Brasileirão: 1ª grande guerra por direitos de TV envolveu quatro emissoras há 25 anos

Brasileirão: 1ª grande guerra por direitos de TV envolveu quatro emissoras há 25 anos

3 de fevereiro de 2020 2 Por Allan Simon

O Brasileirão atualmente tem quase tanto assunto no mundo da mídia esportiva quanto no que se refere ao que acontece dentro das quatro linhas. As disputas e questões financeiras que envolveram os 20 clubes da Série A, Grupo Globo e Turner renderam centenas de reportagens ao longo da temporada 2019 – e prometem mais em 2020.

Embora a repercussão do tema não tenha precedentes, as disputas históricas entre emissoras de TV pelos direitos de transmissão do Brasileirão começaram há pelo menos 25 anos. O assunto teve uma evolução gradual e tranquila a partir do primeiro acordo coletivo, assinado pelo Clube dos 13 com a Globo na criação da Copa União de 1987, válido por cinco anos.

Durou apenas até 1989, sendo sucedido por dois anos de transmissões exclusivas da Band – sem disputas, mas porque a emissora global simplesmente desistiu de exibir o Campeonato Brasileiro. Mudou de ideia ao ver os grandes resultados da concorrente, que pegou simplesmente os títulos nacionais de Corinthians (1990) e São Paulo (1991) e surfou na audiência. Em 1992, a Globo voltou a transmitir em conjunto com a Band.

Tudo caminhava para mais um ano tranquilo na parceria entre as duas emissoras em 1995. Mas uma coisa mudou tudo. O SBT comprou os direitos de transmissão da Copa do Brasil, um torneio que dava vaga na Libertadores, era um campeonato nacional, mas nunca despertou tanta atenção dos torcedores até então.

Foi relegado pela Globo, perambulou pela Manchete, mas encontrou sucesso total de Ibope na emissora de Silvio Santos, que conseguiu a maior audiência de sua história na época com a final entre Corinthians e Grêmio (recorde que só seria superado pelo episódio final da primeira Casa dos Artistas, em 2001).

Além disso, o SBT também dava trabalho à programação dominical da Globo com o sucesso do quadro “Em Nome do Amor” no Programa Silvio Santos. A atração chegou a marcar 25 pontos no fim de agosto, como destacou a Folha de S.Paulo naquele ano, contra 30 do Domingão do Faustão e do Fantástico. Sim, isso tem a ver com futebol, como veremos a seguir.

Acompanhe a “novela” da primeira guerra televisiva pelo Brasileirão:

1 – Globo e Band caminham para renovação do contrato

No dia 17 de agosto de 1995, o Jornal do Brasil publicou uma nota com o título “TV é tema de reunião de clubes” com a informação de que as duas emissoras deveriam renovar o acordo de transmissão do Brasileirão naquele dia.

“Eles (clubes) querem aumentar o contrato – hoje de US$ 4 milhões -, as emissoras concordam, desde que possam transmitir um jogo às 19h aos domingos”, dizia a nota do JB. Na verdade, porém, o valor real do acordo que estava em vigor era de US$ 6 milhões.

O pedido por mais um jogo na semana nesse dia e horário não era por acaso. A Globo tinha interesse em colocar o futebol como arma para barrar o crescimento da programação do SBT nas noites dominicais. O detalhe: o Brasileirão começaria no dia 19 de agosto.

Se vivemos em 2016 todas as emoções das disputas entre Globo e Esporte Interativo pelo contrato que só começaria em 2019, imagine um tempo no qual não se sabiam os detalhes da transmissão o torneio a dois dias do seu início. Era assim nos anos 1990.

2 – SBT e Record entram na briga – que vira guerra – na antevéspera do Brasileirão

Aquele 17 de agosto tinha tudo para ser calmo e de uma renovação tranquila para o consórcio formado por Globo e Band no Brasileirão. As duas emissoras exibiam juntas desde 1992. Somando as exclusividades que cada uma teve, além da transmissão compartilhada por elas e a Manchete em 1989, já eram oito temporadas consecutivas com um ou outro canal no Campeonato Brasileiro.

A calmaria acabou quando Eurico Miranda chegou ao Hotel Califórnia, em Copacabana, segundo relatou o Jornal do Brasil no dia seguinte. A reunião foi suspensa após o então vice-presidente de futebol do Vasco afirmar que tinha em mãos uma proposta da Rede Record no valor de US$ 12 milhões pela exclusividade da competição. Eurico falava em nome do Clube dos 13.

Até então, o próprio Eurico discutia, segundo o JB, a atualização do contrato para US$ 10 milhões com Globo e Band, além de US$ 400 mil por domingo de transmissão. Na mesa, à essa altura, havia uma proposta do SBT pela quantia de US$ 8 milhões.

De acordo com a reportagem, a emissora de Silvio Santos “nem estava sendo levada muito em conta” por causa do valor mais baixo do que o projetado pela união entre Globo e Bandeirantes.

3 – Eurico ameaça rescindir contrato para fechar com a Record

O relato deste ponto coincide nas reportagens do Jornal do Brasil e da Folha de S.Paulo. O dirigente Eurico Miranda, diante da falta de um consenso entre os clubes, ameaçou rescindir o contrato em vigor com Globo e Band para aceitar a proposta maior da Record. O JB afirmou que ainda por cima não haveria exclusividade no contrato com a TV de Edir Macedo, sendo possível repassar os direitos a outros canais.

Agora, as divergências:

Segundo o Jornal do Brasil, o SBT, ao perceber que Globo e Band queriam jogos às 19h dos domingos para combater o programa de Silvio Santos, teria resolvido dobrar sua proposta inicial: US$ 16 milhões. A revista Meio&Mensagem também informou sobre esse valor no dia 21. Pesava a favor o sucesso da Copa do Brasil e o poder de tirar as partidas do horário que era tradicionalmente de seu dono na grade.  Para a Folha, porém, Eurico Miranda negou a existência da proposta do SBT.

O jornal paulista ainda afirmou que a Globo temia que a Record comprasse os direitos de transmissão justamente para dividir com a emissora de Silvio Santos, o que confirma a informação do JB sobre a não-exclusividade da proposta do canal de Edir Macedo. Mais além: a reportagem da Folha dizia que a Rede Record tinha sido encorajada a “concorrer” pelos próprios clubes, que teriam usado a situação para pressionar e conseguir mais dinheiro de Globo e Band.

4 – Globo e Band vencem a guerra – mas dobram o valor pago anteriormente 

Segundo a Folha de S.Paulo, o Clube dos 13 decretou a vitória de Globo e Band nas seguintes bases: as duas emissoras toparam pagar US$ 10,4 milhões pelos direitos de transmissão de 15 jogos aos sábados e outros 15 no meio de semana. Além disso, a cota por partidas aos domingos (mais 15) ficou em US$ 1,6 milhão. Total: os mesmos US$ 12 milhões da proposta da Record.

Era a maior venda da história do Campeonato Brasileiro. Com o dólar comercial cotado a R$ 0,94 naquele dia, o contrato em moeda nacional era de R$ 11,28 milhões. Em valores corrigidos pelo IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado), medido pela FGV e usado para ajustes nos contratos de TV, o contrato de 1995 seria equivalente a R$ 71.891.021,40 atualmente. A comparação mais justa precisa ser apenas com o bolo de TV aberta, que representou R$ 600 milhões em 2019.

5 – Band pula fora do contrato adicional de domingo

Mesmo com o fim das negociações, o assunto se arrastou com o Brasileirão já em andamento. A Band não topava um pacote que custasse mais de US$ 10 milhões.

Em entrevista à Meio&Mensagem, o então presidente do Flamengo, Kléber Leite, foi direto: “Se a Bandeirantes não quiser pagar, fica fora. A Globo topa pagar”.

(A revista acrescentou ainda a informação de que naquela reunião do dia 17 chegou a existir a proposta de um pool entre as quatro emissoras, logo descartado por contrariar as bases de exclusividade do contrato anterior).

Com a transmissão de um Santos 1 x 1 Goiás, em 19 de agosto de 1995 (um sábado), a Globo tinha conseguido 18 pontos de audiência em São Paulo. A Band, com o mesmo jogo, marcou seis. A emissora paulista não via potencial de crescimento nas noite de domingo, e ainda considerava o preço alto.

O resultado: a Globo, obcecada com a ideia de usar o futebol para abrir vantagem maior sobre o Programa Silvio Santos, topou pagar sozinha o valor adicional. Ficou com a exclusividade absoluta dos jogos de domingo às 19h, enquanto a Bandeirantes só poderia mostrar jogos nos meios de semana e sábados.

6 – Quase rolou uma dissidência do Clube dos 13 já ali

Você deve saber que o Clube dos 13 acabou em 2011, quando o Corinthians liderou uma dissidência para boicotar a licitação pela renovação dos direitos do Brasileirão e resolveu negociar sozinho seu contrato com a Globo. Algo parecido poderia ter acontecido 16 anos antes.

Segundo o Jornal do Brasil do dia 25 de agosto de 1995, os oito presidentes dos quatro grandes de Rio de Janeiro e São Paulo ameaçavam criar o “Grupo dos Oito”. Eles não queriam dividir o dinheiro com as equipes de fora do eixo Rio-SP, alegando que esses times raramente eram transmitidos pela Globo ou Band.

Não rolou, mas foi a semente para que, seis anos mais tarde, em 2001, o Clube dos 13 passasse a considerar Flamengo, Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Vasco como merecedores de uma cota maior que as dos outros grandes. O formato durou até 2011.

7 – Globo atacou SBT transmitindo jogo para a praça onde aconteceu

A estreia dos jogos de domingo às 19h veio em grande estilo: Flamengo x Palmeiras, no dia 3 de setembro de 1995. A emissora resolveu transmitir também para o Rio de Janeiro, local de realização da partida.

Resultado da estreia: no campo, Flamengo 1 x 2 Palmeiras. No Ibope carioca: Globo 49 x 8 SBT. Sobrou até para a Band, que exibia um compacto no horário e amargou um ponto de audiência.

O jornal “O Globo” de 10 de setembro de 1995 trazia uma declaração sincera e bem-humorada do então superintendente da Band, Rubens Furtado, explicando a “surra” no Ibope:

“Demos azar. Neste horário estávamos exibindo um teipe de Vasco x Portuguesa, um jogo para se assistir apenas em padarias”.

Segundo a edição do jornal “O Estado de S. Paulo” do dia 5 de novembro, o Ibope em São Paulo daquele Flamengo 1 x 2 Palmeiras em setembro foi de 37 pontos, valor bastante alto também, principalmente comparado a um Corinthians 1 x 0 São Paulo, clássico entre dois paulistas, realizado em 29 de outubro, que marcou 34 pontos.

A transmissão de Flamengo x Palmeiras para a praça onde aconteceu foi uma exceção, tanto que o público no Maracanã foi bem baixo naquele dia (não apenas por isso, mas pela comoção que o futebol brasileiro ainda vivia pela morte a pauladas de um torcedor do São Paulo no Pacaembu durante confronto com palmeirenses na final da Supercopa São Paulo de Juniores).

Na sequência, alguns jogos dos grandes paulistas passaram a ser disputados no interior do estado para permitir a exibição para a capital. Foi o caso, por exemplo, de Palmeiras x Fluminense, no dia 28 de outubro, realizado em Franca.

O fato é que a estratégia da Globo deu certo, o SBT foi neutralizado nas noites de domingo pelo futebol. Os clubes também usaram bem a proposta da Record para conseguir o dinheiro que queriam. E o Brasileirão ficou de novo na calmaria, mas só por dois anos. O que veio depois, uma sequência épica de batalhas na TV aberta e fechada em 1997, porém, é tema para outro Baú da Mídia Esportiva.

Fontes consultadas: acervos dos jornais O Globo, Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo,  e do Projeto TV-Pesquisa, do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio.

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